Síndrome de Diógenes: a irrefreável compulsão por acumular
O caso dos irmãos Collyer, relatado nesta edição, é um exemplo clássico da acumulação patológica, a compulsão por juntar coisas e a extrema dificuldade para livrar-se delas. São relativamente recentes os primeiros estudos sobre a Acumulação Compulsiva (ou Pathological Collecting). Somente no final da década passada surgiu no Reino Unido a primeira terapia de grupo para pessoas que padecem deste mal. Ao longo dos últimos anos foram detectados os traços típicos dos acumuladores compulsivos, os problemas que normalmente enfrentam, as possíveis causas desse comportamento e até mesmo um mapa neurológico deles. Depressão, ansiedade, déficit de atenção e hiperatividade são sintomas comuns em pessoas que desenvolvem essa desordem obsessivo-compulsiva. A maior incidência se dá entre os mais velhos, que comumente já não são mais assistidos pela família e, assim, podem transformar suas casas em apertados depósitos de tudo.
Também conhecido como Síndrome de Diógenes, “síndrome de miséria senil”, Syllogomania, Disposophobia ou ainda, informalmente, como Packratting, o Compulsive Hoarding apresenta riscos conexos diretos e indiretos, como doenças que podem surgir com a sujeira (problemas respiratórios causados por poeira) ou trazidas por ratos, baratas e animais congêneres afeitos ao lixo, bem como o risco de incêndio e, num caso mais extremo – o dos irmão Collyer é exemplar – o esmagamento pelo entulho. Segundo algumas correntes médicas, a Síndrome de Diógenes ainda não pode ser considerado uma desordem mental claramente configurada, e muitos acumuladores podem não apresentar nenhum outro sintoma de transtorno obsessivo-compulsivo.
Tampouco costumam reconhecer em si algum distúrbio. Casas de acumuladores compulsivos podem ter cômodos totalmente interditados pela tralha e, assim sendo, é normal que essas pessoas evitem e até mesmo impeçam visitas, tornando-se cada vez mais isoladas. O Compulsive Hoarding pode ser dividido em, por assim dizer, variantes específicas, como a bibliomania, cujo foco da atração são os livros, catálogos e textos dispersos em geral, ou o Animal Hoarding, que trata da obsessão pelos animais de estimação.

O pesquisador David Tolin, da Escola de Medicina da Universidade de Yale, quis descobrir o que acontece no cérebro desses acumuladores usando imagens obtidas com ressonância magnética funcional. Nesse trabalho, ele e sua equipe diagnosticaram o problema como a “aquisição excessiva e a incapacidade de descartar objetos, resultando em uma desordem debilitante”. Os exames mostraram que os acumuladores tinham diferenças importantes no cérebro, tanto no córtex cingulado anterior, associado com a atenção e a capacidade de concentração, quanto na ínsula anterior, ligada à avaliação de riscos, importância de estímulos e decisões emocionais.
Os acumuladores submetidos às experiências de Tolin mostraram uma capacidade de processamento mais baixa na atividade cerebral nessas regiões no momento de tomada de decisões, motivada quase sempre por uma incerteza acerca do resultado. A conclusão foi que eles não necessariamente precisam manter o que têm porque amam seus pertences. Na verdade, eles evitam tomar decisões sobre o que fazer pelo medo extremo de estar cometendo um erro ao optar por jogar qualquer coisa fora (por acharem que poderão precisar dela mais tarde).
Além do emblemático caso dos irmãos Collyer, há outros – que inclusive já foram tema de documentários e reportagens televisivas –, como o de um homem que tinha compulsão por guardar informações: revistas, livros, jornais, tudo espalhado pelos cômodos de sua casa. Ele chegava a vasculhar o lixo regularmente para ver se algum escrito podia ser recuperado e guardado. Mas o Compulsive Hoarding não está exclusivamente ligado ao lixo, a velharias ou às coisas sem uso.
Há registrado o caso de uma mulher que era uma acumuladora-consumidora, ou seja, a tralha que estorvava os cômodos de sua casa era quase toda fruto de suas compras. Mesmo sem ter necessidade, mas por um desejo incontrolável, ela comprava de tudo. A reportagem que focalizou o drama desta mulher apontava que a escada que dava acesso ao segundo piso de sua casa havia sido interditada pelos objetos e, na sala, era preciso encontrar trilhas entre as montanhas de compras, boa parte ainda lacrada e com as etiquetas.
É digno de menção, ainda, o relato de uma outra mulher, que dizia não achar que acumulava coisas, mas que as estava “salvando”. O detalhe é que o pai dela era lixeiro e sempre levava para casa objetos que encontrava na rua, o que denota uma espécie de acumulação compulsiva hereditária. Já em idade avançada, com cinco filhos criados e encaminhados na vida, morando sozinha, ela justificava que os objetos lhe faziam companhia. Ela e o marido – alcoólatra, internado diversas vezes por esquizofrenia – foram expulsos de modo recorrente dos locais onde moravam pela vizinhança, incomodada com o entulho que se espalhava pelo quintal e com os animais pestilentos que o lixo atraía.
São casos não tão raros quanto se imagina e justamente por isso vêm sendo merecedores de atenção, tanto pela ótica científica quanto pela esfera do entretenimento. Personagens que são acumuladores compulsivos, reais ou fictícios, já povoam a literatura, o cinema e mesmo a televisão. O foco da abordagem é que naturalmente varia, do humor ao drama.
Daniel Barbosa
Colecionismo, acumulação compulsiva e afins são temas de várias séries de TV
• Acumuladores (Hoarders) » A&E
• Antiques Roadshow » PBS
• Auction Hunters » Spike
• Bizarrices (Oddities) » Discovery Science
• Caçadores de Relíquias (American Pickers) » The History Channel
• Caos » The History Channel
• Confessions: Animal Hoarding » Animal Planet
• Hoarding: Buried Alive » TLC
• Mestres da Restauração (American Restoration) » The History Channel
• Quem Dá Mais? (Storage Wars) » A&E
• Storage Hunters » TruTV
• Trato Feito (Pawn Stars) » The History Channel
Tibira e Carrô são os protagonistas da série Caos, que acompanha o dia-a-dia de uma loja em São Paulo
que também é balada, bar e antiquário. Foto: Reinaldo Meneguim – cortesia The History Channel