Montar circuitos eletrônicos e criar novos produtos baseados em sua tecnologia é algo fascinante e esta atividade está crescendo de uma forma espantosa no mundo inteiro, inclusive no Brasil. Os “makers” ou “fazedores” estão não mais apenas improvisando com gambiarras malucas, mas criando circuitos e produtos, ganhando dinheiro com uma nova e rentosa atividade que somente o desenvolvimento tecnológico permite. Veja neste artigo como de um simples montador de circuitos, criador de gambiarras e aprendiz de eletrônica você pode ser tornar um verdadeiro inventor

A história do montador de equipamentos eletrônicos, circuitos e descobridor de coisas novas em tecnologia vem de longe. De antes mesmo do século XX. Para entender como tudo está acontecendo e como cada vez mais o montador de coisas e aquele que conhece eletrônica e tecnologia pode ganhar dinheiro com seu próprio negócio, vamos revisar um pouco da história da ciência e tecnologia.
Indo Longe no Passado

Figura 1 – Michael faraday (1791 – 1867)
Os pioneiros da tecnologia e da ciência eletrônica lutavam com dificuldades enormes para criar seus projetos, fazer suas descobertas e mesmo experimentar dispositivos muito simples. As gambiarras eram regra e muitas delas mostravam um grau de imaginação surpreendente. Um exemplo disso pode ser encontrado no trabalho de Michael Faraday.
Michael Faraday foi, em sua época, considerado o melhor experimentador (gambiarrista) do mundo, pois tinha uma habilidade enorme para criar coisas. De fato, Faraday era um aprendiz de encadernador que trabalhava em uma oficina onde tinha o hábito de ler os livros que encadernava e, assim, aprendeu muito, resolvendo partir para a experimentação do que lia e descobrir coisas novas.
Faraday não podia contar com materiais que hoje encontramos em qualquer fornecedor. Assim, para descobrir o transformador, ele precisou fabricar os seus próprios fios, derretendo cobre e cobrindo-os com seda, para ter o isolamento. Naquela época, a ciência e a tecnologia se misturavam, por isso muitos dos trabalhos de montadores e criadores de coisas, como o transformador de Faraday, passaram a fazer parte da ciência.
Com o passar do tempo, os novos recursos se tornaram disponíveis e no começo do século XX já era possível comprar ”partes”, ainda bem caras, pesadas e não muito fáceis de se trabalhar. Para fazer suas montagens, os “fazedores” precisavam de verdadeiras oficinas equipadas com ferramentas mecânicas.
Na figura 2 temos o projeto de um fonógrafo, original de uma publicação de 1919. Nessa época, o montador precisava de ferramentas para cortar madeira, perfurar e dobrar metais, e muito mais, se desejasse fazer uma montagem perfeita. As primeiras revistas de eletrônica, como a Radio Experimenter, de onde tiramos o projeto abaixo, começavam a aparecer.

Figura 2 – Fonógrafo de 1919
Com o passar do tempo, o montador hobista já pôde contar com algo mais do que a simples disponibilidade de peças. Surgiram os fornecedores de kits como a Heathkit e Radio Shack. Circuitos eletrônicos completos podiam ser adquiridos e montados com pouco mais do que um ferro de solda e algumas ferramentas de uso geral. Na figura 3 temos um anúncio de uma revista da década de 50.
Com o passar do tempo, as revistas de eletrônica se multiplicaram. No exterior destacamos a Radio Electronics, Popular Electronics, Everyday Electronics, Electronics Today International (ETI), CQ, Selecções de Rádio, Radio Chassis Television. Electronique Pratique, Haut Parleur, Funkshau Elektor, etc. No Brasil, surgiram revistas como a Antenna, Eletronica Popular, Radio Eletronica, Revista Monitor, Eletrônica Total, Revista Saber Eletrônica e muitas outras que já não existem mais.
Estas revistas descreviam projetos práticos que podiam ser realizados por quem conhecesse os fundamentos da eletrônica e tivesse as ferramentas apropriadas, que não eram muitas. Com apenas um bom ferro de solda, alicates, chaves de fendas e eventualmente um multímetro, podia-se montar praticamente tudo que estas revistas descreviam. O “fazedor” de então podia criar coisas novas que, na maioria dos casos, não podiam ser encontradas prontas nas lojas, como ocorre hoje.

Figura 3 – Anúncio da Heathkit
Alarmes, rádios, amplificadores, equipamentos auxiliares de som e transmissores eram descritos com peças que podiam ser encontradas com facilidade no mercado especializado. Lojas de componentes se espalharam pelo Brasil e muitas delas passaram a vender pelo correio, anunciando nas revistas especializadas. Nos grandes centros, lojas de componentes se multiplicaram, geralmente concentradas em ruas como a Santa Ifigênia, em São Paulo, e General Osório, no Rio.
Até hoje ainda restam lojas especializadas nestas ruas e vizinhanças, mas o cunho eletrônico das mesmas está reduzindo, com a crescente venda de equipamentos de informática.
Nesta época também aumentou muito a disponibilidade de cursos de eletrônica, tanto por livros quanto por correspondência. Todos queriam aprender eletrônica. Nos Estados Unidos, tivemos escolas como a International Schools e CEI. No Brasil, o Instituto Universal Brasileiro e o Instituto Monitor, que existe até hoje. Foi nesta escola que tive meu primeiro emprego, trabalhando como professor do curso e fazendo sua remodelação e atualização.

Figura 3 – Rua Santa Ifigênia em fim de semana
Minha História na Eletrônica
Lá pelos anos 60, ganhei de uma tia um livro chamado “Experiências e Passatempos com Eletricidade”. Esse livro me chamou a atenção e, depois de lê-lo, decidi ir em frente para criar coisas novas utilizando a eletrônica.
Comecei então a não apenas a montar eletrônicos como também a inventá-los. Tornei-me ávido comprador da revista Eletrônica Popular (Fig. 5) e, em pouco tempo, me tornei seu colaborador, passando a publicar meus circuitos.
Foi então que Gilberto Afonso Penna, editor desta revista, me convidou a criar uma seção chamada ”Eletrônica Para Juventude”. Algum tempo depois, comecei a trabalhar no Instituto Monitor, remodelando seu curso, e então fui convidado a fazer parte da Revista Saber Eletrônica, onde me aposentei 33 anos depois, criando a minha própria empresa.
Em todo esse tempo de atuação, vi a eletrônica passar por muitas fases.
Das montagens com transistores, passamos para os circuitos integrados, que eram disponíveis em cada vez maior complexidade, possibilitando ao montador a criação de muitos circuitos, até o surgimento do microprocessador e do microcontrolador.

Figura 4 – Meu primeiro livro técnico

Figura 5 – Eletrônica Popular da época em que Newton C. Braga era colaborador

Figura 6 – O primeiro computador em kit
O Montador do Final do Século XX
Até os anos 1980, o montador eletrônico ou hobista tinha um perfil bem definido. Eram estudantes de escolas técnicas, amadores independentes, muitos dos quais de áreas de trabalho que nada tinham a ver com a eletrônica, que compravam componentes e montavam circuitos a partir das revistas técnicas.
Muitos iam além, criando novos circuitos e também publicando-os, sem compromisso, em revistas. Existiram publicações que reuniam apenas “Projetos dos Leitores”, com grande sucesso, e até dando premiações, como viagens para conhecer fábricas de componentes, que não existiam no Brasil.
O montador de “fim de semana” investia algum dinheiro de que dispunha comprando componentes e normalmente seu local de trabalho ia desde uma mesa pequena (até mesmo a da sala!) até bancadas elaboradas. Alguns tinham salas bem equipadas, com muitos recursos.
Transição para o digital
A transição ocorreu com a chegada do microprocessador e, com ele, os computadores pessoais. O primeiro, o Altair 8800, foi lançado em kit num artigo da Popular Electronics de 1975. No Brasil tivemos diversos microcomputadores que fizeram época, como o MSX, CP200, etc.
Foi então que muitos praticantes de eletrônica deixaram de montar circuitos e passaram a ter como novo hobby o microcomputador que, segundo se apregoava, podia “fazer tudo”, sem mais a necessidade de eletrônica. As montagens eletrônicas diminuíram de tal forma que, a partir dos anos 1990, muitas revistas entraram em crise e desapareceram.
As poucas que se mantiveram foram obrigadas a modificar seu conteúdo, passando a apresentar projetos que envolviam o uso do computador. Também abordavam uma nova tecnologia que começava a aparecer: a robótica, um ramo da mecatrônica. Mas mesmo assim, a maioria das publicações desapareceu. Então, um novo fenômeno começou a mudar as coisas novamente, a começar pelos EUA.
Makers e a volta das montagens
Nos EUA, uma revista que ainda se mantinha forte era a revista Make, que tem até hoje, como colaborador de destaque, o escritor Chris Anderson, autor dos livros “A Cauda Longa – Do Mercado de Massa para o Mercado de Nicho” e “Makers – a Nova Revolução Industrial”. Esta revista explorava não apenas a montagem de projetos eletrônicos, mas qualquer tipo de coisa que se podia fazer em casa: o DIY (Do It Yourself) ou “faça você mesmo”, muito apreciado pelos norte-americanos e por muitos de nós.

Figura 7 – Capa de uma edição recente da revista Make
A evolução da tecnologia, entretanto, deu um novo impulso ao DIY, com o desenvolvimento cada vez maior das placas de microcontroladores, que se tornaram poderosas e baratas, sensores de todos os tipos e, finalmente, impressoras 3D.
Partindo de placas eletrônicas mais complexas, sensores fabulosos que podiam ser acoplados a drones, robôs submarinos (como o da capa da revista acima), humanoides e muito mais, até mesmo as menores peças, difíceis de obter no mercado especializados, podem agora ser fabricadas em uma impressora 3D. Nos EUA, já existem impressoras dpor menos de 500 dólares e muitas escolas e laboratórios brasileiros já as possuem.
O novo amador da eletrônica, o maker, pode então criar seu próprio protótipo e até mesmo fabricá-lo em casa para vender pela Internet, criando-se assim uma nova forma de negócio, que é uma tendência do futuro. Cada um será dono da sua própria empresa, fabricando eletrônicos e vendendo-os pela Internet. E, quando a demanda crescer, pode-se contratar uma fábrica da China a custos muito baixos para fabricar seu produto, que então você poderá vender, sem precisar sair de casa…
O maker do século XXI é uma versão atualizada do hobista” do século XX, fazendo uso das tecnologias disponíveis em nossos tempos. Ele utiliza placas como Arduino, PIC, Raspberry PI, Beaglebone e outras para controlar seus projetos, que podem ir de simples automatismos ou controles até drones, robôs e braços mecânicos bastante complexos. Ele utiliza componentes eletrônicos para montar seus circuitos periféricos (shields) ou compra-os prontos e tem recursos para a montagem das eventuais partes mecânicas, quando não as encontra prontas. Ele faz a programação de suas criações no computador e compartilha seus projetos na Internet com outros makers.

Figura 8 – Impressora 3D

Figura 9 – Fabricando produtos com uma impressora 3D
Isso também nos leva a uma outra forma de abordagem para estes fantásticos criadores de coisas, a passagem do DIY para o DIT, ou seja, o Do It Together (Faça-o em Conjunto). O compartilhamento das ideias é algo fenomenal em nossos tempos. Para que “quebrar a cabeça” tentando encontrar uma solução para um problema que alguém já resolveu? Por que não compartilhar suas ideias?
Isso é o que está ocorrendo hoje. Muitos estão desenvolvendo projetos, compartilhando-os e até criando novos produtos, que serão industrializados, fabricados em pequenas quantidades e vendidos pela Internet, criando assim uma nova atividade, que deixa de ser apenas hobby para se tornar um negócio.
E as escolas têm, nessa atividade, a possibilidade de levar a seus alunos, de forma fácil e rápida, o aprendizado da eletrônica, robótica e informática, conhecimentos absolutamente necessários nos próximos anos, em todos os ramos de atividade.
A Eletrônica Básica Ainda é Necessária
Se bem que as impressoras 3D possam fazer as partes mecânicas de um projeto, as placas de microcontroladores contenham as funções eletrônicas mais complexas, ainda é preciso ligar circuitos periféricos ao conjunto para se chegar ao projeto final.

Figura 10 – Shield para Arduino pronto (placa de relés)
Uma placa de Arduino não controla motores de alta potência ou motores de passo diretamente. Uma placa deste tipo também não trabalha com sinais de áudio ou vídeo e, se desejarmos obter estes efeitos, precisamos de placas periféricas, os shields.
Existem muitos shields que podem ser comprados prontos, como placas de relés, pontes H e muito mais, conforme mostra a figura 10, mas você precisa conhecer eletrônica para saber ligá-las e usá-las.
Isso significa que o maker precisa conhecer eletrônica. A eletrônica básica é fundamental. Resistores, capacitores, diodos, transistores e muitos outros componentes devem ser manuseados e montados, tanto numa matriz de contato como numa placa definitiva. A eletrônica básica volta, então, a ser importante nos nossos dias, como conhecimento complementar para o desenvolvimento de qualquer projeto.

Figura 11 – Saber usar uma matriz de contato é fundamental
Se você é um maker, não deixe de acessar meu site www.newtoncbraga.com.br. Lá você encontrará uma infinidade de circuitos eletrônicos colecionados ao longo de minha longa carreira. Muitos deles podem fazer parte de projetos mais complexos, atuando como shields que não são encontrados prontos para venda. Envie você também seus artigos, pois todos serão analisados para publicação.
O compartilhamento de ideias é, mais do que nunca, colocado em prática em nosso portal.
