Já faz mais de dez anos, mas lembro do primeiro dia de aula na graduação em Gestão Ambiental. O professor chegou na sala e disse: “Quero que vocês façam o seguinte exercício: deletem desse ambiente tudo o que deriva de plástico e escrevam o que restou em uma folha”. Todo mundo escreveu um monte de coisa. Passados alguns minutos, ele corrigiu a todos. O correto é que o plástico estava em tudo: do fio sintético usado para fazer lingeries até a tinta da parede. Ou seja, o petróleo, matéria-prima utilizada para o fazer o plástico, era onipresente.

O petróleo é um combustível fóssil, encontrado em formações geológicas subterrâneas, produto da decomposição de grandes quantidades de matéria orgânica, submetidas a altas temperaturas e pressão, há 150 milhões de anos. Até aí nada de novo… O uso do petróleo foi adotado por populações humanas há milhares de anos e ganhou amplitude na sociedade contemporânea com o consumo do querosene em larga escala, no final do século XIX, na segunda fase da Revolução Industrial, para suprir a crescente demanda por iluminação das cidades. Desde então, sua queima tem liberado a energia solar acumulada pelos vegetais e organismos fossilizados agregados em sua composição, datada de um pouquinho depois de que o mundo passou a ser mundo. Arrisco a dizer que extrair um líquido viscoço de grandes profundidades da terra e do oceano e depois transformá-lo em tudo quanto é coisa que possa ser vendida e descartada em larga escala foi a maior gambiarra do capitalismo em relação ao planeta Terra.

O problema é que todo sistema ecológico possui pontos de equilíbrios, que quando rompidos provocam consequências que o dinheiro não pode conter. As atividades de extração, transformação, produção e descarte de itens confeccionados a partir do “ouro negro” (além de grandes vazamentos) alteraram muitos dos processos ocorridos nos ecossistemas. Tudo isso ainda foi somado ao advento dos meios de transportes motorizados, da motocicleta de entrega do motoboy aos grandes navios intercontinentais atravessando oceanos com cargas de todo tipo – incluindo patinhos de borracha que, vez outra, ainda são encontrados no litoral, anos após o tombamento de um container repleto deles1.

 

É possível, por exemplo, citar a influência desse ciclo no estudo de pássaros na Ilha Midway, parte do território dos Estados Unidos da América, localizada no Oceano Pacífico, entre a América do Norte e a Ásia. Os pássaros comem plástico no oceano e morrem no paraíso2.

Voltemos aos vazamentos. O maior desastre ambiental envolvendo petróleo da história aconteceu em 20 de abril de 2010, na plataforma Deepwater Horizon, localizada no Golfo do México. Os impactos foram noticiados durante bastante tempo e muita gente já deve ter esquecido sem nunca ter feito correlação com seus hábitos. Mas nem todo mundo. Foi nessa época que surgiu o Protei, uma iniciativa para desenvolvimento de drones que possuem movimentos similares aos de cobras e utilizam as correntes marítimas para coletar poluentes3.

2014. Parece que a situação complicou um pouco mais. No Brasil é ano de eleição, e nesse país de biodiversidade gigantesca (porém também em declínio) ainda é propagado o desenvolvimento e o progresso por meio da bonança proporcionada pelas jazidas do pré-sal. Uma perspectiva caída, que se baseia na urbanização e na fabricação de bens de consumo, um modelo de desenvolvimento estabelecido no século XIX e que apresenta altas probabilidades de impactos ambientais de grandes proporções, provocados por vazamentos de petróleo e derivados, como os ocorridos recentemente em 11 praias dos municípios de São Sebastião e Caraguatatuba, litoral norte do estado de São Paulo.

Enquanto isso, entre a comunidade acadêmica pipoca a urgência de todos os países revisarem seus modelos “de operar”. Depois de anos e anos de queima e extração do óleo que vale ouro, parece que foi acionado um mecanismo chamado “bombas de clarato”. Mas o que é isso? Imagine que o gelo do Ártico, além de refletir a luz solar e evitar uma maciça absorção de calor, também “aprisionasse” hidratos ou claratos de metano. Com o degelo, uma quantidade significativa de metano passaria a ser liberada na atmosfera. A consequência? Aumento da temperatura da Terra e a possível extinção da humanidade em um curto período de tempo. Situações surreais começam a dar as caras: a Terra perdeu um pouco da sua gravidade4, uma epidemia de Ebola passou a nos sondar junto com a queda dos reservatórios de água potável5.Para piorar, a Rússia acaba de anunciar a descoberta, no oceano Ártico, de um campo de petróleo maior que o do Golfo do México e vai começar a extração6. Será o fim?

Pode ser, mas “ainda” acredito que não. Nós, humanos, que fizemos tanta estupidez mas também descobrimos coisas geniais, não poderíamos fazer mais uma gambiarra? E se houvesse uma forma de absorver em massa esse metano? Um enxame de drones no Ártico? Ou refletir a luz solar, como a superfície branca?

Talvez ainda tenhamos tempo para hackear o que nós mesmos fizemos e tentar a gambiarra nessa ferida7. Por isso vale atentar para a relevância dos software e hardware livres e abertos, feitos com materiais de baixo custo e reciclados, para mitigar ou recuperar impactos e gerar uma economia diferente, baseada na prestação de serviços ambientais8.

 


1http://portaldomar.blogspot.com.br/2013/08/o-que-podem-28000-patos-de-borracha.html

2http://www.youtube.com/watch?v=swgPHqIbhSY

3http://edition.cnn.com/2011/10/20/tech/motherboard-sailing-drone/

4http://www.slate.com/blogs/future_tense/2014/09/29/antarctic_ice_melt_causes_small_shift_in_gravity.html?wpsrc=fol_tw

5http://prosperouswaydown.com/ebola-game-changer/

6http://www.zerohedge.com/news/2014-09-27/russia-discovers-massive-arctic-oil-field-which-may-be-larger-gulf-mexico

7http://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/29/opinion/1412000283_365191.html

8http://www.cesarharada.com/the-political-relevance-of-open-hardware/