De acordo com a definição da Wikipedia, um hackerspace é um laboratório comunitário com espírito agregador, convergente e inspirador, que segue a “ética hacker”. Nestes verdadeiros núcleos de contracultura digital (e analógica), pessoas de diversas áreas podem trocar conhecimentos e experiência para realizar projetos colaborativamente. Os interesses dos frequentadores normalmente estão ligados a ciência, tecnologia, arte digital, eletrônica, manualidades e um bom bate-papo presencial movido a cerveja – muitas vezes, de fabricação própria.
Para entender melhor quais são “os valores morais e filosóficos da comunidade hacker”, Facta passou meses estabelecendo contato com alguns destes espaços. Nossa intenção era proporcionar ao leitor uma amostragem significante dentre as centenas de laboratórios cadastrados como “ativos” no portal-wiki hackerspaces.org, uma espécie de central aberta de cadastro.
Sugerimos que todos respondessem à mesma questão: “Apresente as atividades do seu hackerspace e quais as peculiaridades relacionadas à sua localização, perfil dos membros e atuação social que tornam-no uma experiência única.” Em meio à dificuldades em descobrir emails de contato, alguns cadastros em listas de discussão e muitas mensagens jamais respondidas, chegamos a doze perfis, que você acompanha a seguir.
Os retornos recebidos (que raramente responderam à questão formulada 🙂 nos mostram que, apesar de não necessariamente articulados entre si, os valores e atividades da maior parte dos hackerspaces são similares. Mesmos em contextos distintos tanto geográfica quanto culturalmente e com disponibilidade variada de recursos – há hackerspaces totalmente independentes e outros já contaminados pela “inovação” comercial das grande$ empre$a$ de tecnologia –, todos dividem objetivos comuns de incentivar uma cultura de inovação bottom up, valorizar o faça-você-mesmo e compartilhar conhecimentos, dialogando com a comunidade em que se insere.
As respostas nunca vindas, por outro lado, parecem nos indicar o óbvio: a maioria dos grupos prefere, sim, ao modo hacker clássico, manter-se no anonimato.
Bogotá, Colômbia
“Somos mais do que loja ou ateliê de ferramentas, consultor de tecnologia ou instituição educacional. Somos uma comunidade que faz e vende os próprios produtos, compartilha conhecimento e derruba diariamente o medo de inventar.”
Projetos e Atividades
Kids Hack Day (crianças aprendem fazendo), Filamento Ético (projeto social de construção de filamentos de impressora 3D, trabalhando com pessoas ligadas a iniciativas de reciclagem) e impressão de próteses de mãos para crianças.
Nairobi, Kenya
“O iHub é mais que um espaço de co-working: é um lugar de inovação onde você pode conhecer parceiros para suas ideia, potenciais investidores e clientes. Nossos membros são designers, desenvolvedores, gerentes de projeto, especialistas em segurança da informação e empreendedores em tecnologia. Esperamos atrair pessoas sérias e não apenas aquelas à procura de um lugar para usar wi-fi :-)”
Projetos e Atividades
Fireside Chat (bate-papo com pensadores visionários de tecnologia e altos executivos de empresas), Barcamp (desconferências com startups e a comunidade, em que os participantes determinam as discussões), Show ‘n’ Tell – Mostrar e Dizer (compartilhamento e crítica de projetos, somente para membros da categoria “Verde”), CriptoFestas (introdução básica a softwares de criptografia. “Livres, públicas e divertidas”), Kids Hacker Camp (acampamento hacker de seis dias, com crianças), Dia da Comunidade (conversas sobre tecnologia e inovação), NRBuzz (série de seminários sobre tecnologia, economia e política na África e no mundo).
Laboratorio de Juguete
Buenos Aires, Argentina
“Espaço dedicado à divulgação de tecnologias abertas para aplicações artísticas, criativas e educacionais. Nossa principal característica é a abordagem lúdica da tecnologia e a diversidade (e idade) dos membros.”
Projetos e Atividades
Oficinas semanais, clube dedicado à construção de versões físicas de jogos, assistência pública em projetos de tecnologia, festas relacionadas a games retrô e música de 8 bits, cinema, apresentação de novas plataformas.
Laboratório Hacker de Campinas
Campinas (SP), Brasil
“Campinas é considerada um pólo de tecnologia, no entanto as pessoas que se interessam em participar ativamente de um hackerspace são poucas. Só temos membros suficientes para “segurar as pontas” do aluguel e contas básicas. Não temos realmente nenhuma atividade recorrente: enxergamos o LHC como um ponto de encontro, como um provedor de infraestrutura básica.”
Projetos e Atividades
Jogatina, marcenaria, hacking nights (noites para desenvolvimento de projetos pessoais), Tosconf (desconferência eclética anual).
Manchester, Inglaterra
“Somos uma hackspace sem a oficina, um centro comunitário digital, um laboratório de Biologia DIY e um lugar para aprender com os melhores inovadores do mundo. Estamos sediados no centro de Manchester, em uma rua que era deserta há alguns anos e agora é bem popular. Não temos um modelo de adesão pago pois queremos o local disponível para toda a comunidade e achamos que uma taxa mensal, ainda que pequena, afasta as pessoas. Nós pagamos as contas oferecendo cursos, trabalhando com outras organizações (principalmente universidades), alugando salas e mesas e por meio de bolsas, contratos e doações. Atendemos cerca de 15 mil usuários por ano.”
Projetos e Atividades
Trabalhos engajados socialmente como: cursos de cultura digital para meninas e mulheres sul-asiáticas na periferia de Manchester, Digital Skills for Women (“Habilidades Digitais para Mulheres”) – projeto de treinamento tecnológico para mulheres desempregadas, financiado pela União Europeia – e curso de criação de currículos em vídeo, para jovens fora do mercado de trabalho.
San Francisco, EUA
“Somos um hackerspace bem diversificado, com 480 m2, cheio de ferramentas e pessoas trabalhando e se divertindo. Estamos abertos o tempo todo e recebemos pessoas de qualquer idade e nível técnico para entrar, explorar, ensinar e compartilhar o que ama (ou pode amar) fazer. Não temos líderes e apenas uma regra: seja excelente para com os outros. Tudo no Noisebridge é doado.”
Projetos e Atividades
Encontros e workshops diários (gratuitos e abertos ao público) sobre eletrônica, computadores, costura, arte, artesanato, ciência, música, cinema e vídeo. Filosofia de auto-organização inspirada nas subculturas anarquistas de San Francisco.
New York, EUA
“Estamos localizados em uma das partes mais antigas do Brooklyn. O edifício em que estamos, de 1850, era uma fábrica de cerveja. Ainda preparamos nossa própria cerveja. O NYC Resistor é de certa maneira único entre os hackerspaces americanos, com adesão de membros feita somente através de convite. Apesar de realizarmos atividades abertas, a adesão é rigidamente controlada. O motivo é salvaguardarmos nosso espaço de conflito, depredação e outros problemas que temos visto surgir em alguns hackerspaces. Temos membros com diversas formações: engenheiros de software, artistas, designers e até mesmo um advogado. Mas todos temos o mesmo desejo: criar coisas novas e compartilhá-las com o mundo.”
Projetos e Atividades
Noites com atividades abertas para o público, em geral duas vezes por semana. Conhecidos por terem ajudado a dar o pontapé inicial na mania de impressoras 3D na comunidade DIY. Muitas das primeiras impressoras 3D foram, na verdade, cortadas na máquina de corte à laser do NYC Resistor. Alguns membros fazem design de sistemas integrados para o Brooklyn Ballet. Oferece desconto para membros que lecionam pelo menos três aulas por ano.
Hackerspace Palestine
Gaza, Palestina
“O HSP visa alavancar o trabalho tecnológico na Faixa de Gaza. Nossa localização faz com que isso seja um desafio. Os recursos de hardware são limitados e temos uma grande dificuldade para importar equipamentos. A conexão física entre o HSP e outros hackerspaces também é limitada, confinada ao mundo virtual. Mas tentamos nosso melhor para superar as limitações e promover o nosso espaço.”
México DF
“O Rancho é um lugar de encontro para a comunidade de hackers, ativistas e usuários de software livre. É um comunidade com autogestão livre, aberta, independente, horizontal, plural e coletiva. No espaço convergem ativistas, engenheiros, jornalistas, cientistas, filósofos, escritores, artistas e punks. Dividimos o prédio com uma oficina mecânica, um coletivo que tem projetos de horta urbana e yoga, e com uma gráfica digital. O interesse de sermos
independentes do governo, instituições e grandes empresas de tecnologia diferencia o Rancho Eletrônico de outros hackerspaces.”
Projetos e Atividades
Oficinas de criptografia, design, eletrônica, sistemas de informação geográfica, programação, desenvolvimento web, cinema e administração de sistemas Linux. Biblioteca digital. Palestras e seminários sobre segurança em informática, privacidade e defesa da mídia livre. Realiza projeções, lançamento de livros, festas, criptofestas, encontros e festivais.
Salvador (BA), Brasil
“O Raul HC nasceu do desejo de um grupo de pessoas em compartilhar experiências criativas permeadas de diversos tipos de tecnologias. Com sede própria há cerca de seis meses, na orla do Bairro Rio Vermelho, o espaço tem sido remodelado para abarcar uma diversidade de ideias, desde experimentações gastronômicas até a robótica livre.”
Projetos e Atividades
Projetos para qualificação da sede, como crowdfunding e “Chá de Casa Nova”. Projetos de desenvolvimento tecnológico como “Robô Educacional”, que busca criar um dispositivo robótico de baixo custo, “Software Livre Revolucionário”, para simplificar soluções em aplicações de software livre e “Crianças Hacker”, onde crianças interagem com dispositivos tecnológicos.
Santiago, Chile
“Antigo armazém de chapelaria localizado no bairro Itália, que recentemente se tornou um ponto de encontro de artistas, designers e empresários. No Chile, historicamente, exportamos nossos recursos naturais e importamos manufaturados. Não existe uma tradição de construir e o trabalho técnico e manual é desvalorizado. Nesse sentido, o que fazemos em Stgo. Makerspace é novo. Mais e mais pessoas têm percebido o benefício de ir a uma oficina para fazer trabalho manual, pois se deram conta que isso permite criar prototipagem para necessidades específicas, baratear custos de importação e serviços externos e começar a criar coisas para os chilenos e feitas por chilenos. Para integrar o makerspace não temos curadoria e nem processo de inscrição.”
Projetos e Atividades
Ações que combinam arte, artesanato, engenharia, tecnologia, reutilização criativa, performance, música e ciência, utilizando novas tecnologias e ferramentas tradicionais como: kits eletrofisiologia de baixo custo; oficinas de produção de cerveja, paleoarte e marionetes de dinossauros, réplicas de ficção científica e maquetes de naves apenas resíduos, criação de impressoras 3D e estufas automatizadas para plantas carnívoras; invenção de hardware
e interfaces gráficas para música.
Shanghai, China
“É o primeiro de muitos hackerspaces na China. Nosso objetivo a longo prazo é difundir a filosofia hacker em toda a China e inspirar hackerspaces do leste a oeste. Somos uma organização sem fins lucrativos cuja missão é apoiar, criar e promover a computação física, hardware de código aberto e a Internet das Coisas. Tivemos recursos suficientes para começar o projeto. Queremos agora adotar um modelo de negócios de ONG, com adesão similar a clubes sociais, hospedando startups durante os dias de semana e com eventos comunitários durante a noite e fins de semana.”
Projetos e Atividades
Realiza palestras, discussões, promoção de startups, oficinas e competições como SHLUG, Dorkbot, corrida de robôs mensal e Hacker Show & Tell. Alguns projetos em andamento e em busca de parcerias: Roboracing (corrida de robôs), ArduBlock (linguagem de programação visual para Arduino), webcam remotamente controlada, waveboard elétrico, carregador solar, agricultura urbana, quadricópteros, Rudy Bike e Insect Bot.