
Harry Houdini, o maior mágico da história, sempre foi categórico ao afirmar que todos os números que já tinha feito – coisas como escapar de camisas de força, algemas, cofres ou tornar um elefante invisível – sempre se deram por meios naturais, e que ele não era dotado de nenhum poder sobrenatural. O fato de não ter escapado da morte atesta isso.
Houdini era um cético que não acreditava em eventos paranormais, espiritismo ou mediunidade, ao ponto de, na década de 1920, tornar-se um célebre desenganador, um especialista em desmascarar charlatões que alegavam poderes mediúnicos. Mas, talvez por precaução, combinou com sua mulher, Beatrice Hanner, uma senha de comunicação para depois que morresse – se alguém dissesse a ela que tinha se comunicado com a alma dele, deveria saber a senha. Beatrice morreu em 1943, quase duas décadas depois de Houdini, dizendo que ele nunca tinha enviado qualquer sinal do além.
Ehrich Weiss, o verdadeiro nome de Houdini, nasceu no dia 24 de março de 1874, em Budapeste, na Hungria, mas mudou-se ainda criança, aos 4 anos de idade, com seus pais, para Appleton, no Estado de Wisconsin, nos EUA. Aos 8 anos já trabalhava vendendo jornais e engraxando sapatos para ajudar no orçamento familiar. Com 13 anos, mudou-se mais uma vez com os pais e outros quatro irmãos para Nova York, onde ainda trabalharia como perfurador de poços, fotógrafo, contorcionista, trapezista e ferreiro. Esses três últimos ofícios acabaram por alicerçar sua carreira como mágico.
Formação de um “desprogramador”
Foi a partir da leitura de dois livros, “Revelações de um Médium Espírita” e sobretudo a biografia do mágico francês Jean Eugene Robert-Houdin intitulada “As Memórias de Robert-Houdin”, que o jovem Ehrich se tornaria o grande Houdini – nome que criou para si, aliás, inspirado por Robert-Houdin. Antes, contudo, no início de sua trajetória como mágico, se apresentava com Eric, o Grande e também como O Rei das Cartas, título que aludia a sua habilidade em fazer truques com baralhos. Os dotes de ilusionista se manifestaram desde cedo e, nesse sentido, pode-se entender Houdini como um ludibriador ou um “desprogramador” do olhar alheio. Não se tratava efetivamente de mágica, mas da capacidade de fazer as pessoas acreditarem que estavam vendo algo que era apenas sugerido, de manipular os sentidos do espectador, assim como quem manipula um sistema a fim de alterar seu funcionamento.
A essa habilidade somavam-se a força física, a elasticidade, a agilidade e uma grande capacidade pulmonar, que o permitia fica até 4 minutos submerso, sem respirar, e assim, dotado de todos esses recursos, aliados a muito treino, encontrou o filão que o tornaria mundialmente famoso: conseguir escapar das mais variadas formas de aprisionamento. Para tanto, valia-se também das técnicas de abrir cadeados aprendidas quando exerceu o ofício de ferreiro.

A Câmara de Tortura e outros truques
Com seus shows atraindo cada vez mais público, Houdini sofisticou seus truques de formas inimagináveis. Em 1901, criou o “Truque da Lata de Leite”, no qual era amarrado e trancado dentro de uma lata de leite cheia de água. Em 1912, já famoso nos Estados Unidos e na Europa, criou o que talvez seja o mais emblemático e famoso truque de escapismo de todos os tempos, conhecido como “A Câmara de Tortura de Água Chinesa”: uma cela de vidro e aço cheia de água, onde Houdini era colocado de cabeça para baixo, com os pés presos. Motivo de fascínio entre os mágicos, esse truque só viria a ser realizado novamente em 1975.
Os números de escapismo de Houdini não ofuscaram as outras modalidades de seu ofício de mágico. Em 1918, por exemplo, no Hipódromo de Nova York, ele fez desaparecer, na frente de um grande público, um elefante.

Das telas à desenganação
Enquanto impressionava as plateias pelo mundo com suas fugas e números de ilusionismo, iniciou uma carreira no cinema, fazendo mais de dez filmes com temas sobrenaturais e de suspense, como “The Master Mistery” (1918) ou “Terror Island” (1920). A maior parte desses filmes, contudo, perdeu-se com o tempo, restando pouquíssimos registros. Em 1920, quando a revista Scientific American ofereceu um prêmio em dinheiro para quem comprovasse habilidades sobrenaturais de se comunicar com o além, Houdini foi convocado para compor o “júri” que decidiria a veracidade das demonstrações. Como ilusionista, ele conhecia a maioria das técnicas usadas para ludibriar multidões, o que lhe permitiu desmascarar vários candidatos ao prêmio.
Naquele mesmo ano de 1920, a morte de sua mãe fez com que abraçasse com mais afinco a atividade de desenganador, dedicando-se a desmascarar mágicos, médiuns e todos aqueles que se se diziam aptos a se comunicar com os mortos, já que os considerava farsantes. Essa missão a que se propôs acabou lhe rendendo algumas inimizades, sendo a mais notória delas com o escritor Arthur Conan-Doyle, criador do Sherlock Holmes, que tinha sido um grande admirador e amigo de Houdini. Conan-Doyle acreditava piamente na comunicação com o além. Diante da cruzada do célebre mágico contra supostas paranormalidades e mediunidades, o escritor chegou a sugerir que Houdini era um grande médium, o maior de todos, que tinha sido contratado para “bloquear” os outros e assim preservar segredos sobrenaturais. A amizade entre os dois foi rompida para sempre.

Clandestinidade póstuma
A fama mundial e o traquejo como desenganador acabaram enredando Houdini numa outra atividade, que só veio à luz na década passada. Em 2006 foi lançado nos Estados Unidos o livro “A Vida Secreta de Houdini”,
de William Kalush e Larry Sloman, que dedicaram vários anos pesquisando cerca de 700 mil anotações e documentos que fizeram com que chegassem à conclusão de que a ascensão da carreira do mítico mágico deveu-se também a um ofício mais mundano: a espionagem. Segundo o texto, Houdini manteve durante anos contatos clandestinos com os serviços secretos dos EUA e do Reino Unido para informar sobre o que via em suas inúmeras viagens pelo mundo. Em contrapartida, contava com suporte para que sua carreira reverberasse cada vez mais internacionalmente. Durante os primeiros anos do século XX, o mágico informou os serviços secretos norte-americano e britânico sobre as atividades da polícia alemã e dos anarquistas russos.
A trágica morte no camarim
Houdini morreu em 31 de outubro de 1926, vítima de uma inflamação do peritônio resultante de um apêndice rompido. Pouco tempo antes, no dia 22 de outubro, ele estava em Montreal, se apresentando no Princess Theatre. Enquanto se preparava para o espetáculo em seu camarim, recebeu um jovem estudante, lutador de boxe amador, que perguntou se era verdade que ele conseguia receber socos no estômago sem se abalar. Diante da resposta afirmativa, esse jovem desferiu violentos golpes contra a barriga de Houdini, sem que este tivesse tido tempo de preparar a musculatura abdominal.
Como já vinha padecendo de uma apendicite que insistia em não tratar, acredita-se que esses socos foram responsáveis por sua morte, causando o rompimento do apêndice. No dia 24 ele foi internado no hospital Grace, em Detroit, onde faria uma apresentação, e de lá não houve truque que o fizesse sair mais com vida.
