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Quem passa pela fachada do galpão da Matiz Arte Objeto, discretamente localizado em um prédio da região central de Belo Horizonte, não faz ideia das preciosidades que habitam seu interior. Antônio Carlos Figueiredo, proprietário do espaço, tem acumulado durante 30 anos um formidável conjunto de peças antigas, relíquias, raridades da cultura mineira, brasileira e mundial que pretende transformar em um Museu do Cotidiano.

O acervo, além de exalar as memórias de tempos antigos, faria inveja em qualquer diretor de arte hollywoodiano, tamanha a variedade e quantidade de peças: Antônio orgulhosamente afirma serem mais de cem mil, dispostas não só nessa locação, mas também em mais três galpões, uma casa, quatro salas e uma loja. Todos lotados.

20130709NS0094.jpgApesar da aparência de caos e mesmo sensação de claustrofobia em um primeiro momento – os objetos estão muitas vezes empilhados do chão ao teto –, o espaço vai se mostrando surpreendentemente organizado. “Conto com a ajuda do Santo Expedito”, diz o anfitrião. Expedito é na verdade o braço direito “ambidestro, nordestino e paciente” que ajuda na lida do dia a dia, limpando e organizando, de tempos em tempos, o acervo. O galpão contém “departamentos” de quase tudo: TV’s, rádios, garrafas, placas, taxímetros, latas, opalinas, filtros de água, talheres, geladeiras, pias de trens, brinquedos, papéis e também uma sala reservada, estão guardadas obras de arte mais valiosas e que sutilmente não fomos convidados a conhecer.

As quase quatro horas de visita pela reportagem de Facta, seguindo o que nos pareceu ser um já tradicional roteiro de visita guiada do espaço, são pouco, muito pouco tempo para adentrar o universo secular a que as peças remetem. Por isso preferimos, ao invés de tentar mapear itens específicos, assumir o impacto causado pelo percurso dentre as pilhas de itens falando aleatoriamente um pouco de tudo: antiguidades, gambiologia, valor afetivo, programas de TV, especulação imobiliária, tecnologia, cachaça, lobby, ferros velhos, luminárias, psicanálise…

Apesar de preservar a maior parte dos objetos originais, nosso personagem evita tratá-los somente como memorabilia ou lembranças estáticas de tempos idos. Surpreendentemente mostra, ao contrário, um ponto de vista bastante gambiológico: “Não trabalho com objetos decorativos, do tipo que os decoradores procuram. Eu trabalho com objetos decolativos. Quero na verdade que você, a partir dos objetos que estou te mostrando, faça a sua viagem.” Mesmo com a impressionante dimensão do acervo, objetos “banais” são dispensados. Cada item é minuciosamente escolhido por seu desenho, origem, história e adquiridos somente se apresentarem alguma peculiaridade especial. Como por exemplo uma geladeira que pertenceu ao ex-presidente JK e por isso “não é uma qualquer”, ou a máquina de escrever em grego, ou um filtro em formato de abacaxi, ou mesmo uma balança para medição de ovos. Quando se empolga sobre alguma peça, Antônio indaga: “tem jeito de viver sem isso?”. Mais recentemente, ele garimpou em Brumadinho um baú no qual havia inscrito o sobrenome Tim. Fácil deduzir que trata-se de algum parente do Nhô Tim, senão o próprio minerador inglês que inspirou o nome do Centro de Arte Contemporânea Inhotim.

20130709NS0157.jpgSomente após muita insistência e quase no fim da visita – em que, diga-se, erramos 99% das perguntas e provocações proferidas por Antônio sobre as peças mais curiosas – ele aceita dar algumas dicas sobre as estratégias para se conseguir acumular um acervo de raridades. Os “macetes” são poucos e valiosos, mas a conclusão sobre a forma mais eficiente de tornar-se um colecionador é simples: andar nas ruas (“cobra que não anda não engole sapo”), conversar com as pessoas, trocar. Mais uma vez, a experiência de colecionar parece surgir inevitavelmente da mais simples e cotidiana vivência de mundo.

Ao ser indagado se seria um acumulador compulsivo, Antônio Carlos nega. Também não se diz colecionador. Nem artista. Prefere ser chamado de “Objeteiro”. Profissionalmente originário do mercado financeiro, ele hoje sustenta-se vendendo uma ou outra peça e alugando parte do acervo histórico para filmes e novelas de época, além de eventuais exposições, ensaios de moda, etc. Mas é fácil perceber o que o Objeteiro parece gostar na verdade: adquirir novos itens para juntar mais e mais e mais e mais e mais…

Texto: Fred Paulino / Fotos: Nidin Sanches