
Adalberto Maduar, tradutor e roteirista da Editora Abril, deve ter pensado, muito acertadamente, que Gyro Gearloose não só era um nome muito estranho aos ouvidos brasileiros como também que, numa tradução ao pé da letra (algo como Pardal Periscópio), ficaria um tanto sem sentido. Optou, então, por batizar como Professor Pardal o personagem criado pelo cartunista Carl Barks que estreou em 1952, na HQ “Gladstone’s Terrible Secret” (no Brasil, “A Sorte do Gastão” ou “Sorte É Pra Quem Tem”) e se tornou um ícone da cultura pop mundial, sinônimo de cientista maluco e com vários paralelos na vida real. Não será descabido afirmar que todo mundo conhece ou já conheceu um Professor Pardal de carne e osso.

Cientista maluco “vintage”.

Procedimento em coração artificial no filme O Homem Imortal (1939).

Franz Gsellman e a Máquina do Mundo. Foto: Gery Wolf.

O escultor George Rhoads montando uma de suas Ball Machines.
O inventor norte-americano Dean Kamen diz ter se inspirado na criação de Carl Barks para dar forma a algumas de suas invenções, como o Segway Human Transporter, um meio de transporte de duas rodas lançado na década de 1990 e já bastante comum nos dias de hoje. Essa invenção possui um giroscópio que permite a seu piloto ter um maior equilíbrio, e faz com que o Segway pare em pé. Kamen é o fundador da DEKA Research & Development Corporation, empresa que ficou famosa mundialmente por suas invenções inovadoras, e idealizador do First, uma organização criada com o intuito de incentivar jovens a se interessarem por ciência e tecnologia. Há cerca de 440 patentes registradas sob seu nome, apresentadas ao longo de mais de 30 anos de trabalho como inventor.
Há quem faça da invenção um negócio ou um investimento, mas a representação do Professor Pardal abarca também a esfera do despropósito. O personagem dos quadrinhos tem em sua conta criações birutas e inúteis, como a “Máquina de Fazer Nada” e o “Chapéu Pensador”, um pequeno telhado com um ninho de corvos que supostamente o ajuda a ter novas ideias brilhantes. Mesmo a maior invenção do Professor Pardal das HQs, o minirobô Lampadinha, não tem propriamente uma função ou finalidade,
senão a de conselheiro do seu criador.
O austríaco Franz Gsellmann tornou-se célebre após trabalhar intensamente, ao longo de 23 anos, num invento que batizou como “Máquina do Mundo”. Gsellmann nunca teve qualquer conhecimento científico ou de engenharia mecânica. Sua monumental criação gira, faz barulhos de cliques e assobios, emite luzes e um monte de outras coisas, mas, na verdade, ninguém sabe qual é a função do artefato ou porque Franz o criou. Algumas explicações simbólicas ou metafóricas dão conta de que a estrutura é uma simples forma de demonstrar a complexidade do funcionamento da natureza ou que a máquina expressa o funcionamento da alma humana.
E por falar em criações aparentemente sem utilidade, que apenas giram, fazem barulhos de cliques, assobios, emite luzes e um monte de outras coisas, temos, em Belo Horizonte, o Presépio do Pipiripau, com sua complexa rede de bonecos e cenários. Criada pelo artesão Raimundo Machado Azevedo em 1906, foi doado à UFMG em 1976 e tombado pelo patrimônio histórico nacional em 1984.
O Presépio é composto por reproduções e miniaturas móveis que narram do nascimento, vida, morte e ressurreição de Cristo, com 580 figuras e 45 cenas. O mecanismo de funcionamento do Presépio foi recentemente restaurado e sua visitação reaberta. A engenhoca natalina encontra-se exposta no Museu de História Natural da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Não será descabido afirmar que todo mundo conhece ou já conheceu um Professor Pardal de carne e osso.

O Presépio do Pipiripau é uma atração turística em Belo Horizonte.
Conceitualmente não muito distante da “Máquina do Mundo” estão as “Máquinas de Rube Goldberg”, que são deliberadamente aparelhos que realizam uma tarefa muito simples de uma forma muito complexa, geralmente usando uma reação em cadeia. Reuben Garrett Lucius Goldberg foi um artista plástico, cartunista, escultor, escritor e engenheiro norte-americano. A expressão “Rube Goldberg Machine” é tida como originada por volta de 1930, para descrever as ilustrações e as máquinas absurdas que ele criava. Seus desenhos, por exemplo, quase sempre incluíam um animal vivo que era posto para realizar parte da sequência de tarefas. O termo apareceu pela primeira vez no “Webster’s Third New International Dictionary” com a definição de “realizar por meio extremamente complexo e desviado o que realmente ou aparentemente poderia ser feito de maneira simples”. Desde então, expandiu-se a expressão para designar qualquer tipo de engenhoca ou sistema excessivamente complicado.

Na Inglaterra, as traquitanas complexas sem utilidade são chamadas de “Heath Robinson”.
“Realizar por meio extremamente complexo e desviado o que realmente ou aparentemente poderia ser feito de maneira simples”.
Muitos criadores de “Máquinas de Rube Goldberg” participam de competições, como as que tradicionalmente acontecem no Novo México (EUA). No início de 1987, a Universidade de Purdue, no Estado de Indiana, começou a realizar um concurso anual, o “Rube Goldberg Machine Contest”. Nos desenhos das séries animadas de TV, como “Tom & Jerry”, o gato frequentemente utiliza aparelhos complicados, como “Máquinas de Rube Goldberg”, para tentar capturar o ratinho.
O mesmo acontece no desenho do Coiote e do Papa-Léguas. Em “Arquivo X”, no episódio “The Goldberg Variations”, um homem caçado pela máfia se vê às voltas com estranhas sequências de reações, semelhantes às de uma “Máquina de Rude Goldberg”. No filme “A Grande Aventura de Pee Wee” (1985), de Tim Burton, o personagem Pee Wee Herman tinha dispositivos de Goldberg que faziam café da manhã. Esse panorama dá uma dimensão da popularidade dessas traquitanas.
O conceito de “Rube Goldberg” também pode ter uma aplicação artística

Professor Butts and the Self-Operating Napkin (1931). Ilustração original por Rube Goldberg.
O conceito de “Rube Goldberg” também pode ter uma aplicação artística, e um bom exemplo é a videoarte “The Way Things Go”, traduzida por aqui como “O Percurso das Coisas”, dos artistas suíços Peter Fischli e David Weiss. Realizado em 1987, o filme documenta uma longa cadeia aparentemente casual, mas minuciosamente planejada, de indução entre objetos do cotidiano e reações químicas.
A instalação foi feita em um armazém com cerca de 100 metros de comprimento – espaço em que foram dispostos materiais como pneus, sacos de lixo, escadas, sabão, tambores de óleo, sapatos velhos, água e gasolina. Fogo e muita pirotecnia foram empregados como gatilhos químicos que criam uma reação em cadeia entre esses materiais, resultando em um clássico da linguagem audiovisual.

Purdue Society of Professional Engineers, criadores da maior Rube Goldberg Machine do mundo. Foto: Andy Jessop.
Assim como a dupla suíça, há outros professores pardais que também se expressam no campo das artes, como o britânico Felix Thorn, que, para fazer música, resolveu se transformar em escultor. Suas criações têm um aspecto de máquina, traquitanas autônomas que tocam uma sequência musical predeterminada. Sua obra pode, eventualmente, parecer uma banda, um instrumento ou um animal. Ao longo de sua carreira, Thorn já passou por muitos ramos da criação: música contemporânea, música popular, artes visuais e a invenção de instrumentos. Com suas esculturas sonoras de grandes dimensões, tornou-se uma referência mundial neste tipo de trabalho.
Mesmo sem nenhum glamour artístico, o Sr. Bernardo Riedel também logrou grande prestígio com suas criações. Trata-se de um professor aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais e antigo astrônomo do Observatório Astronômico Frei Rosário. Ele é hoje considerado pela comunidade científica como um dos principais
especialistas brasileiros na construção de telescópios. O primeiro foi em 1954, período em que se associou ao Centro de Estudos Astronômicos de Minas Gerais. Em 1978 fundou a B. Riedel Ciência e Tecnologia, em Belo Horizonte, com o objetivo de fabricar instrumentos astronômicos de qualidade, montando telescópios, cúpulas, lentes, espelhos, filtros e acessórios diversos ligados à observação astronômica.